domingo, 27 de novembro de 2011

foi sem contar os passos, subindo degrau por degrau, que ela chegou aos céus. seus olhos iluminaram-se diante daquele cenário exuberante. nem tão exausta quanto lhes parecia, respirou aquela vista, e foi como encher-se de vida. e estava tão leve quanto nada quanto existe no mundo. já não tinha os pés sobre aquela terra. estranho como sempre pensou que o céu era a superfície e por sua divindade sequer tocava a terra no horizonte. embora considerasse teimosia, e tendo em vista aquela visita ao céu, pareceu-lhe, por fim (ou infinitude) que o estado das coisas independia do seu caprichoso juízo. as mulheres eram mais homem que todos os homens do mundo. inspirou aquele ar puro e esqueceu.. sem contar com o que se passava, pediu perdão por chegar aos céus ainda cheia de humanidade. então não tinha fim..continuou perturbada..e caminhou um pouco mais. foi a última pontada de desejo: quem sabe o mar?

terça-feira, 22 de novembro de 2011

acordei ao anoitecer e senti um sopro de vida vindo de você, da saudade que te torna mais viva dentro de mim. a vontade de chorar vai passando. ligo para alguém que me deixa pensar em você livremente. está mais perto de mim do que eu mesma imaginava. não sofro mais tão só. a gelada paisagem estrangeira se dissipa..todos os dias se morre um pouco e, no entanto, é algo que preferimos apagar. a morte só existe nos outros. eles só existem em nós..o que foi que eu perdi? estou certa de que não perdi alguém. nem ninguém perde alguém. sua voz alcança meus dias, seu sorriso invade meus olhos e ainda procuro, entre notas, melodias que te façam mover..

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Lembro tanto de você, escutando Elis Regina. poucas vezes a vi chorando como nesses momentos. no dia em que eu vim embora, também não teve nada demais.. pareceu não haver tido.. afora tudo isso, ia indo, não é? tempos depois fui descobrir seus escritos, e de como também você chorava enquanto cozinhava, com o cheiro de alho frito na panela e com a música que a gente fazia, sem nem saber que você escutava.. afora isso, ia indo.. afora tudo isso, eu vou indo..eu ia indo. mas se eu quiser falar com Deus hoje, precisarei esquecer a data. e no que eu pensava enquanto ia não sei pra onde. você também não sabia. qual seria a nossa dificuldade de dizer sobre aquilo que nos fazia ir..e agora eu paro porque estou descobrindo pra onde ia. preciso parar, não quero que tudo, afora tudo isso, vá indo. quero que você saiba, mãe, para onde sua filha vai indo.. e sempre foi indo bem e é por isso mesmo que dói tanto não poder dizê-lo, tocá-la. Vou indo, mãe, nem tão sozinha, mas muito (e como sempre) amada. fui longe porque fui para onde você sem nem dizer me dizia. fui indo, afora isso, atravessando, seguindo, nem chorando nem sorrindo, sozinha..pra capital. com uma mala que nem fedia, nem cheirava mal. uma mala cheia de lembranças, cheia de sonhos, cheia de vida. cheia de solidão, mas uma solidão de quem foi tão amada que é capaz de seguir..afora isso, no fundo, foi demais, não é? e ainda que você não tenha dito nada, e afora tudo isso, eu ia indo, sorrindo e chorando, agora chorando mais que sorrindo..no dia em que você foi embora, desde então, às vezes chorando, às vezes sorrindo.. embora sozinha, vou com ajuda de outras mãos. que quando eu me vi sozinha, vi que não entendia nada. sentia apenas que amava. amá-la, pela vida, era tudo o que eu sabia.

terça-feira, 27 de setembro de 2011

"Saudades.
Muitas.
E só de ti.
Mas quem és tu?
Serás aquele que primeiro amei.
Ou o outro, que primeiro me amou?
Ou aquele com quem vivi.
Ou aquele que viveu comigo?
Serás quem amo ainda.
Ou quem já abandonei há muitas horas?
Serás quem me ateia os incêndios nocturnos.
Ou aquele que os apaga em gestos suaves?
Serás aquele que expulsei da minha casa.
Ou quem a mim me expulsou?
Serás quem me ensinou a ler um corpo.
Ou aquele que aprendeu comigo o alfabeto da lingua vagarosa sobre a pele?
Serás o que matou ou quem matei?
Quem és tu, de quem sinto estas saudades muitas?

Tantas como quem deixou um mundo de coisas abertas na vida e perdeu as chaves no caminho.
"

Elisa, bebedeiras de jazz.

sábado, 3 de setembro de 2011

Pablo

"Debemos hablar el uno con el otro tanto como podamos. Cuando uno de nosotros muera, van a haber algunas cosas que el otro nunca va a poder hablar com nadie más." Pablo Picasso

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

amor-próprio. amor-perfeito. tudo parecem ser flores. dizer hoje que aprendi a me amar e me amo profundamente, perdidamente, loucamente. ora, a quem é que isso poderia interessar além de mim mesma? pois não interessa!
eu vou escrever o que eu quiser. vou escrever que o dia está como todos outros dias que vivi, não fosse essa determinação em aceitar a mim mesma, não só com amor, mas também com espanto e às vezes com muita dor. e se alguém por isso se interessar, talvez não seja necessariamente para me criticar (mesmo que eu aceite receber críticas e estou aprendendo a aceitá-las também). covarde daqueles incapazes de dizer, dizê-lo, dizer-te que é capaz de amar as palavras de amor. só a possibilidade de dizer já é uma verdade tão bela que eu não poderia ser a mesma. palavra que transforma. e o acordar não é preguiçoso como se o mundo fosse desinteressante. sem aborrecimentos? não. compromissos e "contra-atos". tantos lugares para se perder, perder a vista, perder o som, perdê-los.. porém, é onde eu me encontro é que sou capaz de encontrá-los. e eu só me encontro no amor. só me encontro na beleza e na fluidez que as coisas espontâneas possuem. eu só me encontro naquilo que me fere, naquilo que desacelera, nos meus machucados e nas maiores feridas (que também só foram possíveis por causa do ser apaixonado que encontrei em mim mesma). assim como tudo que já conquistei na vida. e eu já não preciso pensar, eu acredito. eu sei para onde ir, e são tantos caminhos possíveis. e sempre foram tantas as possibilidades, ir longe, muito longe, minha filha. estar perto, muito perto, dormir ao seu lado. sonhar com você. dormindo, acordada. um presente. porque não há quem não saiba quando está realmente recebendo um presente para si. ou quando um ato não lhe endereça nenhum sentido.
não há traição maior que enganar a si mesmo.

sábado, 20 de agosto de 2011



"A minha namorada é tão bonita, tem olhos como besourinhos do céu
Tem olhos como estrelinhas que estão sempre balbuciando aos passarinhos...
É tão bonita! tem um cabelo fino, um corpo menino e um andar pequenino
E é a minha namorada... vai e vem como uma patativa, de repente morre de amor
Tem fala de S e dá a impressão que está entrando por uma nuvem adentro...
Meu Deus, eu queria brincar com ela, fazer comidinha, jogar nai-ou-nentes
Rir e num átimo dar um beijo nela e sair correndo
E ficar de longe espiando-lhe a zanga, meio vexado, meio sem saber o que faça...

A minha namorada é muito culta, sabe aritmética, geografia, história, contraponto
E se eu lhe perguntar qual a cor mais bonita ela não dirá que é a roxa porém brique.
Ela faz coleção de cactos, acorda cedo vai para o trabalho
E nunca se esquece que é a menininha do poeta.
Se eu lhe perguntar: Meu anjo, quer ir à Europa? ela diz: Quero se mamãe for!
Se eu lhe perguntar: Meu anjo, quer casar comigo? Ela diz... — não, ela não acredita.
É doce! gosta muito de mim e sabe dizer sem lágrimas:
Vou sentir tantas saudades quando você for...
É uma nossa senhorazinha, é uma cigana, é uma coisa
Que me faz chorar na rua, dançar no quarto, ter vontade de me matar e de ser presidente da república.
É boba, ela! tudo faz, tudo sabe, é linda, ó anjo de Domremy!
Dêem-lhe uma espada, constrói um reino ; dêem-lhe uma agulha, faz um crochê
Dêem-lhe um teclado, faz uma aurora, dêem-lhe razão, faz uma briga...!
E do pobre ser que Deus lhe deu, eu, filho pródigo, poeta cheio de erros
Ela fez um eterno perdido..."


O poema acima foi extraído do livro"Antologia Poética", Editora do Autor – Rio de Janeiro, 1960, pág. 68.

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

PALAVRAS DE MULHER

estava lendo um poema de Adélia Prado e também me lembrei da minha mãe:

PALAVRAS DE MULHER

Minha mãe
achava estudo
a coisa mais
fina do mundo.
Não é.
A coisa mais fina
do mundo é o sentimento.

Adélia Prado

PALAVRAS DE MULHER

Minha mãe tinha certezas
que nem o estudo daria
nos muros mais improváveis da vida
encontrava begônias
perdidas
achei que viviam
além da força da vida

achava a coisa mais fina do mundo
o sentimento.
Ela achava o estudo.
Não é.
A coisa mais fina do mundo
é aprender a amar.

Júlia Agostini


quarta-feira, 6 de julho de 2011

como quem desacorda com o tempo de todos os relógios do mundo, meu coração sofre de arritmia. às vezes em que a vida se apodera de meus sonhos e desmancha toda cor do céu, meu corpo sofre, já sem lágrimas. tudo é tanta falta de sangue circulante que fechar os olhos é como estar bêbado, que no fundo é como estar fraco e tonto também. sem forças. como um banho de água fria sobre o desenho de um corpo vivo. como um papel branco, molhado e murcho. como se fosse a vida se dissolvendo..
e o mundo como a falta de borracha mesmo, apesar de tantos enganos.
o tempo do mundo escorre seu pincel na noite..e eu durmo sem sono. pode ser que demore, mas sempre e só com o tempo, companheiro fiel, pode-se encontrar um céu manhoso com que acordar,

tarde, mas com o coração bom.

sábado, 2 de julho de 2011

a tua voz fala amorosa...

a

"Qual é a tarde por achar
Em que teremos todos razão
E respiraremos o bom ar
Da alameda sendo verão,

Ou, sendo inverno, baste 'star
Ao pé do sossego ou do fogão?
Qual é a tarde por voltar?
Essa tarde houve, e agora não. 


Qual é a mão cariciosa   
Que há de ser enfermeira minha —  
Sem doenças minha vida ousa —   
Oh, essa mão é morta e osso ...   
Só a lembrança me acarinha   
O coração com que não posso.  " Fernando Pessoa

sexta-feira, 20 de maio de 2011

MADRIGAL MELANCÓLICA

"O que eu adoro em ti
Não é a tua beleza
A beleza é em nós que existe
A beleza é um conceito
E a beleza é triste
Não é triste em si
Mas pelo que há nela
De fragilidade e incerteza

O que eu adoro em ti
Não é a tua inteligência
Não é o teu espírito sutil
Tão ágil e tão luminoso
Ave solta no céu matinal da montanha
Nem é a tua ciência
Do coração dos homens e das coisas.

O que eu adoro em ti
Não é a tua graça musical
Sucessiva e renovada a cada momento
Graça aérea como teu próprio momento
Graça que perturba e que satisfaz

O que eu adoro em ti
Não é a mãe que já perdi
E nem meu pai

O que eu adoro em tua natureza
Não é o profundo instinto matinal
Em teu flanco aberto como uma ferida
Nem a tua pureza. Nem a tua impureza.

O que adoro em ti lastima-me e consola-me:
O que eu adoro em ti é a vida!"


segunda-feira, 16 de maio de 2011

o tempo da busca pelo tempo perdido

eu não querido tempo, paciência!
tempo que eu não tenho, tempo pra perder
eu não, querido tempo, perdi.
eu perdi querido, tempo
com você,
eu, querido, perdi.
querido eu,
me perdi
é você?

terça-feira, 10 de maio de 2011

Poesia Vertical I


"Algún día encontraré una palabra
que penetre en tu vientre y lo fecunde,
que se pare en tu seno
como una mano abierta y cerrada al mismo tiempo.

Hallaré una palabra
que detenga tu cuerpo y lo dé vuelta,
que contenga tu cuerpo
y abra tus ojos como un dios sin nubes
y te use tu saliva
y te doble las piernas.
Tú tal vez no la escuches
o tal vez no la comprendas.
No será necesario.
Irá por tu interior como una rueda
recorriéndote al fin de punta a punta,
mujer mía y no mía,
y no se detendrá ni cuando mueras." 
Roberto Juarroz

segunda-feira, 2 de maio de 2011

pra não dizer adeus

não disse adeus quando também não quisestes dizê-lo. sem palavras, e eu cheguei a clamar por Deus. por não adeus. por que Deus? por que não sei mais por quem chamar. porque ninguém mais pode. porque eu não posso mais..nem eu posso com o adeus. porque com Deus se pode estar mudo. e com dor as palavras fogem de mim. de medo as palavras ficaram mudas. como túmulo. e eu com o coração cheio, ainda quente. quando quero falar-te sofro o revés. o coração cheio de anseios, quer contar com desejo, pequenas alegrias. porque os órgãos pulsam por sangue e querem é a pele transpirante, o cheiro de banho tomado exalando pela casa, uma risada tímida ou até mesmo sem graça, que seja. quero seu corpo caminhando no seu ritmo próprio, humildemente interessante. mulher de homem de antigamente. certas palavras desmedidas. algum silêncio desconcertante. cantando agudo e trocando a letra..e me perguntando como e eu respondo como sem você? e me convenço de que não haveria como
nos dizermos adeus, nunca.

quinta-feira, 21 de abril de 2011

Namorados

"O rapaz chegou-se para junto da moça e disse:
-Antônia, ainda não me acostumei com o seu corpo, com sua cara.
A moça olhou de lado e esperou.
-Você não sabe quando a gente é criança e de repente vê uma lagarta listrada?
 


A moça se lembrava:
-A gente fica olhando...
A meninice brincou de novo nos olhos dela.
O rapaz prosseguiu com muita doçura:
-Antônia, você parece uma lagarta listrada.
A moça arregalou os olhos, fez exclamações.
O rapaz concluiu:
-Antônia, você é engraçada! Você parece louca."
Manuel Bandeira

domingo, 17 de abril de 2011

da medida do cumprimento

dizem que promessas são feitas para não serem cumpridas. já fiz tantas promessas, e muitas dessas me fizeram. me fazem promessas e eu faço, um tanto, algumas, tantas, desmedidas. acho que promessas não são feitas para nada. são feitas e ponto. uma vírgula! toda promessa é muito comprida. 

sábado, 9 de abril de 2011

Um Beijo

"que tivesse um blue.
Isto é
imitasse feliz a delicadeza, a sua,
assim como um tropeço
que mergulha surdamente
no reino expresso
do prazer.
Espio sem um ai
as evoluções do teu confronto
à minha sombra
20
desde a escolha
debruçada no menu;
um peixe grelhado
um namorado
uma água
sem gás
de decolagem:
leitor embevecido
talvez ensurdecido
"ao sucesso"
diria meu censor
"à escuta"
diria meu amor"

Ana Cristina César

quarta-feira, 6 de abril de 2011

04/04

lembro de quando eu era ela.
dela, eu nem precisava lembrar
do rosto dela, do cheiro
do sorriso dela
eu nem preciso querer
o amor, a mão dela
eu precisei tanto
dela, deitar-se comigo
do abraço apertadíssimo
dela, nela
sinto tanto tanta
dor que não sei como
levanto. eu levando
tanta lembrança acho
que ainda sou

por ela, eu vou esperar
mas acho que precisava lembrar
e lembrá-la.
quero que ela volte para que eu renasça
em cada aniversário dela.

domingo, 27 de março de 2011

suadeiro

já quis tantas vezes saber se os sonhos são só de mentira, ou as palavras.. pois que você fala enquanto eu durmo, a cabeça deitada sobre o travesseiro leve.
já quis suas palavras, nem queira saber, como quis como soam porque eu suo quando escuto sua voz articulando verdades, puras verdades, sim, não, mentira, já não saberia dizer, pois tão bem articuladas. e sabendo, a cabeça já de pé pesava sobre o corpo, será que era pouco, será que é a boca ou a prega que fala? eu perco o ar, peço um pouco de paz, um copo de água, peço com a boca sua boca sua eu só quero quis tanto ser sua sim, não de verdade,  a vontade
eu assumo enquanto você me assusta
eu sem sono enquanto você me toma
e me consome
 eu com esse sonho
e você me some?

terça-feira, 22 de março de 2011

Acrobacias

de Ana Paula Inácio

"Sentados em Trafalgar Square
no intervalo de amigos
com o tempo entre as mãos
treinávamos o nosso inglês
num inquérito de revista
com Francis Bacon na capa
que perguntava:
qual dos membros- superiores ou inferiores -preferíamos perder
(esta ablação em língua estrangeira
tornava-se indolor, quase anestesiada)
respondeste: os braços
as pernas conservá-las-ias
como a liberdade de poder andar
respondi: as pernas
não queria ver-me
impedida de abraçar.
Assim juntando as nossas
perdas
eu abraço-me a ti
e peço-te anda, mostra-me o mundo
e quando nos cansarmos
abraçar-me-ás, então, com as pernas
e eu
andarei com os braços."

sexta-feira, 11 de março de 2011

sobre a amizade

por Deleuze - entrevista:  O Abecedário de Deleuze

"Tenho uma hipótese: cada um de nós está apto a entender um determinado tipo de charme. Ninguém consegue entender todos os tipos ao mesmo tempo. Há uma percepção do charme. Quando falo de charme não quero supor absolutamente nada de homossexualidade dentro da amizade. Nada disso. Mas um gesto, um pensamento de alguém, mesmo antes que este seja significante, um pudor de alguém são fontes de charme que têm tanto a ver com a vida, que vão até as raízes vitais que é assim que se torna amigo de alguém. Vejamos o exemplo de frases! Há frases que só podem ser ditas se a pessoa que as diz for muito vulgar ou abjeta. Seria preciso pensar em exemplos e não temos tempo. Mas cada um de nós, ao ouvir uma frase deste nível, pensa: "O que acabei de ouvir? Que imundicie é essa?" Não pense que pode soltar uma frase destas e tentar voltar atrás, não dá mais. O contrário também vale para o charme. Há frases insignificantes que têm tanto charme e mostram tanta delicadeza que, imediatamente, você acha que aquela pessoa é sua, não no sentido de propriedade, mas é sua e você espera ser dela. Neste momento nasce a amizade. Há de fato uma questão de percepção. Perceber algo que lhe convém, que ensina, que abre e revela alguma coisa."

sábado, 5 de março de 2011

ser e mente

e só se está em todos os sonhos
e sonos, os seres mansos,
os sonsos.
há só solidão no vagar dos sonâmbulos.

a vida é estranha e mente
quando sonha e sem ver
nem mexer sente. se assemelha
aparente, mente, lógica,
e se psicológica, também
mente

mas que o sonho não espelha
senão vida semente
bem, ao menos pressente a vida
que sente e sabe vir nas horas
de sono sonoras e em tom diferente

o sonho de braços largados
dos sujeitos desavisados
o sonho dos que se deixaram
ou foram
deixados juntos a sós.

domingo, 27 de fevereiro de 2011

sábado, 26 de fevereiro de 2011

Joana

"Quando ele se emocionava, quando se surpreendia, balançava a cabeça, assim, devagar, em não, como quem recebe mais do que esperou. Ele era lindo. E sobretudo estava vivo. E sobretudo eu o amava. Eu nascia, e meu coração era novo quando eu o via. Eu nascia, eu nascia, eu nascia. Agora um verso. O que eu quero, meu bem, é te ver sempre, meu bem. Como te vi hoje, meu bem. Mesmo que morreres, meu bem. Outro: Ouvi um dia uma flor cantando e tranquilamente me alegrei; depois me aproximei e, milagre, não era flor que cantava mas um passarinho sobre a flor."
Clarice Lispector, Perto do Coração Selvagem.

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

amormeuzinho

Sim, sem dúvida, o bom do caminho era parecer haver volta. e eu já nem insisto que a vida é a morte. penso sempre em como era bom. gostara de voltar, para casa, para a nossa casa, por esse caminho com volta. eterno. nenhum caminho devia ser tão longo, árduo e tão amargo quanto esse desvio que tomara para eternidade. prefiro a morte. que é esse não ter volta no caminho. que é poder continuar morrendo sob a luz do sol radiante na minha janela. com essa música, que toca a eternidade. mas prefiro essas células tão vivas que parecem já mortas. prefiro o gesto que faz do meu corpo movimento. que eu morra, e que não seja tudo interminável. que a natureza das coisas, as plantas tão atentas aos pássaros, a lua tão respeitosamente me engane, me enganem e faça com que eu acredite nos dias e nas noites, e nos ciclos da eternidade. e que eu nunca tenha idade, nem tempo para abandonar o amor. que eu queira sempre voltar, que eu queira ir por outros caminhos. por todos os caminhos. e que a vida seja sim esse encaminhar-se para o eterno retorno, caso ele fosse possível.
como se a vida não fosse a morte,
como se a vida fosse o caminho, quero morrer desse jeito. quero perder as contas de quantas vezes retornei a tudo que amei na vida.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

saudade de nazaré

"...e por essa precisão de memória amorosa que só os artistas despertam, o nome dele vem se gravando nas lembranças da maneira menos egoística do amor: sem que reflita a imagem dum corpo amigo ou amante. O Nazaré… Quem era? Não se sabia não. E inútil se saber. Era um desses amores que estão na religiosidade obscura de todos os vivos capazes de querer bem, na parte de nós em que amamos os nossos mitos, os
atos sem atividade, os nomes sem corpo, os anjos e os artistas."
Mário de Andrade

sábado, 19 de fevereiro de 2011

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

da luta ao luto


por favor, acorde pela manhã minhas
mãos de fadinha suas pernas
capitão gancho, e não me deixe.
não se esqueça, que é dia de manha
não se queixe das horas
que eu perdi, as vezes
sorri, mamãe, sossegada
me descubra com delicadeza,
diga 'bom dia!', distraída como quem sabe
ou apenas 'o café está na mesa',

como quem sempre perdoa,
mãe, como quem não quis dizer nada
lá fora, as flores decoram as horas
a vida, a morte por mais que me doe
me doem, dói o corpo e a noite

a noite vai
embora
você às vezes venha
em sonho
de branco e tudo

fica claro
choro e escorro
o coração dilacerado
luto só
soluço em desabafo
e não demoro a desabar.

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Amalia

"Creía que te había dicho adiós,
un adiós contundente, al acostarme,
cuando pude por fin cerrar los ojos
y olvidarme de ti y de tus argucias,
de tu insistencia, de tu mala baba,
de tu capacidad para anularme.
Creía que te había dicho adiós
del todo y para siempre, y me despierto
y te encuentro de nuevo junto a mí,
dentro de mí, abarcándome, a mi vera,
invadiéndome, ahogándome, delante
de mis ojos, enfrente de mi vida,
debajo de mi sombra, en mis entrañas,
en cada pulso de mi sangre, entrando
por mi nariz cuando respiro, viendo
por mis pupilas, arrojando fuego
en las palabras que mi boca dice.
Y ahora, ¿qué hago yo?, ¿cómo podría
desterrarte de mí o acostumbrarme
a convivir contigo? Empezaremos
por demostrar modales impecables.
Buenos días, tristeza."


Amalia Bautista

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Dante

"MOMENTO

Esqueço-me dos anos, e dos meses,
E dos dias, das datas. Mas às vezes
Lembro-me de momentos. Rememoro
Um que me fez chorar. E ainda o choro.

Ricordo-me de uma hora, céu cinzento,
A terra sacudida pelo vento, um terrivel momento escuro e imundo
Em que me vi perdido e sò no mundo,
Sob os trovoes, e estremecendo as vezes
Entre relampagos e lividezes...

Lembranças, nao antigas mas presentes.
Lembranças nao saudades, as ausentes.
Sem novas esperanças que despontem
O dia de hoje me parece de ontem.
Nenhuma data em mim, nenhuma festa.
Meu amanha è o pouco que me resta.

Eu sou o que nao fui e o que quis ser,
Jà fiz o que me resta por fazer,
E bem no fundo do meu ser obscuro
Lembro-me antigamente do futuro..."

Dante Milano

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

a via de longe

às vezes, era um gato. cinza e preguiçoso, esparramado no meio do caminho. às vezes é alguém ou muitos alguéns com os quais cruzamos em casa, na rua, na estrada. a vida não é um caminho. mas a gente anda assim mesmo. caminhando. correndo... atropelando!
bom, se a vida é o caminho, eu ainda não encontrei nenhum rastro, nenhuma trilha. e olha que minhas retinas também estão fatigadas! nunca me esquecerei, no entanto, do gato. e é melhor andar com cuidado pela casa, para não tropeçar no folgado.
descobri que pensar no gato é como torná-lo quadro, de natureza morta. o gato como uma pedra. a vida como caminho.
a vida não existe! a vida não é nada. a vida não anda, a vida não passa. nós é que passamos pela vida. nós inventamos a vida. essa vida. esse substantivo. essa palavra, essa metáfora.
enquanto o poeta fica escrevendo sobre as pedras, e o gato se lambe todo, e as vistas ficam cansadas, e as pessoas se automovem, não é a vida que passa. na verdade isso é a morte, não acham?
é de morte que vivemos. a vida vive de morte. e come o tempo, que nem discute.
a vida é a morte. e pra morte não tem saída!
então tá bom, a vida existe.

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

sessão santa que nada.

quando um gato negro cruza o nosso caminho, amemos, amada. há que preencher todo o espaço tão cheio de vazio com aquela substância que não evapora sem deixar rastros e marcas no chão do seu quarto. Santa, santo, sente só esse líquido cor de sangue seco, derramado, transbordando os limites dos nossos próprios copos e corpos delicados como taças.
todo mundo esparrama um pouco, um pé na lama. sem sorte, pé-de-pato pesado e mais nenhum passo. santa amada, santa júlia. santas! tão santas, que nada! nem pato, nem gato nem gatos nem frangos assados nos obrigam a saborear essa carne de sapo.

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

desemprego

um dia, não exatamente durante o dia inteiro, em parcas horas, estou certa, você pode parar para pensar. pois também é verdade que ninguém anda muito parado, pensando na morte da bezerra (afinal, pode-se viver muitos anos de uma vida, ou muitas horas de um dia, sem se lembrar da existência de qualquer bicho desses que definitivamente não andam à solta em meio aos carros e edifícios, nessas avenidas da nossa vida nas quais apenas nós pastamos mesmo.)
mas, eis que chega o momento de virar gente. e gente como a gente pensa. em pé ou sentado, dormindo ou acordado. é fato. e sempre no passado. ainda que você esteja imaginando um futuro brilhante, ou apenas em coisas brilhantes como as moedas de ouro do tio patinhas. então pode ser que você realmente pare. talvez possa lhe ocorrer que você já não tem idade para histórias de gibi.
você já parou pra pensar? _eu lhe pergunto.
e você poderá dizer: "parar pra quê?" sem nem realizar que você nunca precisou parar pra pensar. algumas vezes a gente pára, é verdade. mas na maior parte das vezes, dispara mesmo! o termo mais apropriado talvez seja disparar!
você já parou pra disparar?_eu lhe pergunto, então.
e você ri. com os olhos, com a boca. daquele jeito leve de quem parou de pensar pra sorrir.
eu sempre acreditei mais nas sensações. mas eu continuo pensando. tem hora que acelera! e tem hora que parece não passar..eu gosto bem desse movimento, um peso, duas medidas.
a língua prega umas peças, não é mesmo? e é divertido desempregar.