domingo, 27 de fevereiro de 2011

sábado, 26 de fevereiro de 2011

Joana

"Quando ele se emocionava, quando se surpreendia, balançava a cabeça, assim, devagar, em não, como quem recebe mais do que esperou. Ele era lindo. E sobretudo estava vivo. E sobretudo eu o amava. Eu nascia, e meu coração era novo quando eu o via. Eu nascia, eu nascia, eu nascia. Agora um verso. O que eu quero, meu bem, é te ver sempre, meu bem. Como te vi hoje, meu bem. Mesmo que morreres, meu bem. Outro: Ouvi um dia uma flor cantando e tranquilamente me alegrei; depois me aproximei e, milagre, não era flor que cantava mas um passarinho sobre a flor."
Clarice Lispector, Perto do Coração Selvagem.

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

amormeuzinho

Sim, sem dúvida, o bom do caminho era parecer haver volta. e eu já nem insisto que a vida é a morte. penso sempre em como era bom. gostara de voltar, para casa, para a nossa casa, por esse caminho com volta. eterno. nenhum caminho devia ser tão longo, árduo e tão amargo quanto esse desvio que tomara para eternidade. prefiro a morte. que é esse não ter volta no caminho. que é poder continuar morrendo sob a luz do sol radiante na minha janela. com essa música, que toca a eternidade. mas prefiro essas células tão vivas que parecem já mortas. prefiro o gesto que faz do meu corpo movimento. que eu morra, e que não seja tudo interminável. que a natureza das coisas, as plantas tão atentas aos pássaros, a lua tão respeitosamente me engane, me enganem e faça com que eu acredite nos dias e nas noites, e nos ciclos da eternidade. e que eu nunca tenha idade, nem tempo para abandonar o amor. que eu queira sempre voltar, que eu queira ir por outros caminhos. por todos os caminhos. e que a vida seja sim esse encaminhar-se para o eterno retorno, caso ele fosse possível.
como se a vida não fosse a morte,
como se a vida fosse o caminho, quero morrer desse jeito. quero perder as contas de quantas vezes retornei a tudo que amei na vida.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

saudade de nazaré

"...e por essa precisão de memória amorosa que só os artistas despertam, o nome dele vem se gravando nas lembranças da maneira menos egoística do amor: sem que reflita a imagem dum corpo amigo ou amante. O Nazaré… Quem era? Não se sabia não. E inútil se saber. Era um desses amores que estão na religiosidade obscura de todos os vivos capazes de querer bem, na parte de nós em que amamos os nossos mitos, os
atos sem atividade, os nomes sem corpo, os anjos e os artistas."
Mário de Andrade

sábado, 19 de fevereiro de 2011

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

da luta ao luto


por favor, acorde pela manhã minhas
mãos de fadinha suas pernas
capitão gancho, e não me deixe.
não se esqueça, que é dia de manha
não se queixe das horas
que eu perdi, as vezes
sorri, mamãe, sossegada
me descubra com delicadeza,
diga 'bom dia!', distraída como quem sabe
ou apenas 'o café está na mesa',

como quem sempre perdoa,
mãe, como quem não quis dizer nada
lá fora, as flores decoram as horas
a vida, a morte por mais que me doe
me doem, dói o corpo e a noite

a noite vai
embora
você às vezes venha
em sonho
de branco e tudo

fica claro
choro e escorro
o coração dilacerado
luto só
soluço em desabafo
e não demoro a desabar.

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Amalia

"Creía que te había dicho adiós,
un adiós contundente, al acostarme,
cuando pude por fin cerrar los ojos
y olvidarme de ti y de tus argucias,
de tu insistencia, de tu mala baba,
de tu capacidad para anularme.
Creía que te había dicho adiós
del todo y para siempre, y me despierto
y te encuentro de nuevo junto a mí,
dentro de mí, abarcándome, a mi vera,
invadiéndome, ahogándome, delante
de mis ojos, enfrente de mi vida,
debajo de mi sombra, en mis entrañas,
en cada pulso de mi sangre, entrando
por mi nariz cuando respiro, viendo
por mis pupilas, arrojando fuego
en las palabras que mi boca dice.
Y ahora, ¿qué hago yo?, ¿cómo podría
desterrarte de mí o acostumbrarme
a convivir contigo? Empezaremos
por demostrar modales impecables.
Buenos días, tristeza."


Amalia Bautista

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Dante

"MOMENTO

Esqueço-me dos anos, e dos meses,
E dos dias, das datas. Mas às vezes
Lembro-me de momentos. Rememoro
Um que me fez chorar. E ainda o choro.

Ricordo-me de uma hora, céu cinzento,
A terra sacudida pelo vento, um terrivel momento escuro e imundo
Em que me vi perdido e sò no mundo,
Sob os trovoes, e estremecendo as vezes
Entre relampagos e lividezes...

Lembranças, nao antigas mas presentes.
Lembranças nao saudades, as ausentes.
Sem novas esperanças que despontem
O dia de hoje me parece de ontem.
Nenhuma data em mim, nenhuma festa.
Meu amanha è o pouco que me resta.

Eu sou o que nao fui e o que quis ser,
Jà fiz o que me resta por fazer,
E bem no fundo do meu ser obscuro
Lembro-me antigamente do futuro..."

Dante Milano